O fornecimento de materiais e insumos médicos essenciais para o tratamento de pacientes renais crônicos não é uma mera questão de negócios, mas sim de preservação da vida. Um recente julgamento ilustra a relevância deste compromisso social. No último dia 18 de novembro de 2024, o juiz da 4ª Vara Cível de Araçatuba, Rodrigo Chammes, determinou que uma empresa detentora do monopólio de materiais para diálise peritoneal forneça os produtos necessários à Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba (SP), instituição que enfrenta escassez desses insumos vitais para o atendimento de pacientes com insuficiência renal.
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Neste caso, o magistrado argumentou que a autonomia da vontade contratual não é absoluta e que, em determinadas circunstâncias, o interesse público e constitucional, como o direito à saúde, deve prevalecer. A empresa, que cessou o fornecimento de materiais à Santa Casa alegando atrasos nos pagamentos, foi obrigada judicialmente a retomar a entrega dos insumos. A decisão foi fundamentada no entendimento de que a recusa desprovida de justificativa plausível configura um abuso de direito que afeta diretamente a saúde dos pacientes.
O impacto da decisão no setor de saúde pública
A Santa Casa de Misericórdia, que atende tanto pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto aqueles oriundos de convênios privados, alegou, no processo, que seu estoque para realização dos procedimentos de diálise peritoneal estava prestes a se esgotar. A interrupção do fornecimento pela empresa geraria consequências graves e imediatas para os pacientes necessitados de tratamento contínuo. A diálise peritoneal, essencial no tratamento da insuficiência renal, requer o uso constante de materiais específicos, cuja indisponibilidade comprometeria o atendimento médico.
O juiz Rodrigo Chammes ponderou que a situação se enquadra nos limites possíveis para a liberdade contratual, prevista no artigo 421-A do Código Civil, que defende a função social do contrato e a proteção aos interesses fundamentais da sociedade, como o direito à saúde. O magistrado reforçou que embora a empresa tenha alegado atrasos nos pagamentos, a posição de monopólio no fornecimento dos materiais e a urgência no atendimento dos pacientes configuram um cenário em que a recusa ao fornecimento de insumos não pode ser admitida.
Discussão sobre a função social dos contratos
A decisão judicial reafirma o entendimento de que contratos comerciais, especialmente aqueles que envolvem o fornecimento de bens ou serviços essenciais, devem sempre respeitar o equilíbrio entre as partes e levar em consideração o impacto sobre a sociedade. A função social do contrato é um princípio importante do Direito Civil brasileiro que determina que a liberdade contratual, embora seja um direito fundamental, deve seguir parâmetros que assegurem o bem-estar público e garantam o respeito a valores como saúde e dignidade.
Neste episódio, a empresa alegou dificuldades oriundas da inadimplência da Santa Casa, mas a Justiça entendeu que o caráter essencial dos materiais para diálise e o fato de tratar-se de um monopólio impõem limites à simples interrupção do fornecimento. Ou seja, o caso concretiza a visão de que o exercício de um direito privado não pode impossibilitar o acesso de pessoas aos serviços de saúde, sobretudo diante de um quadro de dependência monetária ou estrutural.
Efeitos futuros para o fornecimento hospitalar
Essa decisão pode ter repercussões mais amplas no setor de fornecimento hospitalar e no relacionamento entre empresas e instituições públicas de saúde. Hospitais que dependem diretamente de fornecedores exclusivos podem, eventualmente, recorrer ao Judiciário para garantir a continuidade de abastecimento de insumos essenciais, mesmo diante de disputas contratuais ou financeiras.
Por outro lado, o veredito também pode pavimentar discussões sobre as exigências e justificativas proporcionais em casos de inadimplência. Empresas fornecedoras de insumos hospitalares poderão ter que atuar de maneira mais atenta às implicações sociais de um eventual ato de descontinuidade, priorizando soluções alternativas que não comprometam o atendimento de pacientes críticos.
Conclusão
A decisão do juiz Rodrigo Chammes traz à tona um debate sobre a intersecção entre direito privado e interesse público, mostrando que a liberdade contratual deve sempre considerar as necessidades essenciais, especialmente no contexto de saúde pública. À medida que o setor hospitalar no Brasil enfrenta desafios de financiamento e dependência de fornecedores exclusivos, esta sentença pode abrir um importante precedente para garantir que o acesso à saúde, em situações de urgência, seja ininterrupto, mesmo diante de conflitos comerciais.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.